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Cancelamento abusivo de planos de saúde

Nos últimos anos, o cancelamento abusivo de planos de saúde tornou-se uma das principais causas de judicialização no Brasil. Muitos consumidores se veem surpreendidos por decisões unilaterais das operadoras que interrompem a assistência médica, colocando em risco tratamentos essenciais e a própria saúde dos beneficiários. Essa prática, além de contrária aos princípios do Código de Defesa do Consumidor, esbarra em normas específicas da Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9.656/98) e em jurisprudência consolidada — em especial o Tema 1082 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).


É fundamental compreender que as regras sobre rescisão variam conforme o tipo de contrato. Nos planos individuais ou familiares, a proteção do consumidor é mais robusta. O artigo 13 da Lei nº 9.656/98 veda expressamente o cancelamento unilateral imotivado, permitindo a rescisão apenas em casos de fraude ou inadimplência superior a 60 dias dentro de um período de 12 meses, desde que haja prévia notificação. No entanto, é comum vermos operadoras tentando burlar essas regras, cancelando planos sob alegações genéricas, como inviabilidade econômica ou revisão de portfólio — práticas consideradas ilegais e reiteradamente combatidas pelo Poder Judiciário.


Nos planos coletivos por adesão, embora exista maior flexibilidade contratual, a operadora não possui liberdade irrestrita para rescindir o contrato. A Resolução nº 195/2009 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) exige que, após 12 meses de vigência, a operadora notifique a entidade contratante com antecedência mínima de 60 dias, informando claramente a intenção de rescisão e oferecendo aos beneficiários a possibilidade de migração para um plano individual ou familiar, sem imposição de novas carências. O descumprimento dessas exigências configura prática abusiva, passível de correção judicial.


Nos casos de planos empresariais com até 29 vidas, o cenário é ainda mais delicado. O STJ reconheceu que contratos empresariais de pequeno porte possuem características que tornam seus beneficiários mais vulneráveis, aproximando-os da situação dos usuários de planos individuais. Por isso, o cancelamento nesses casos deve ser motivado, proporcional e justificado, não podendo ocorrer de forma arbitrária. A ausência de justificativa adequada ou de alternativas para continuidade da cobertura torna o cancelamento ilegal, assegurando ao consumidor o direito de buscar judicialmente a reativação do plano.


Já nos planos empresariais com mais de 29 vidas, a Resolução nº 195/2009 também prevê a necessidade de aviso prévio e oferta de alternativas. Embora o entendimento judicial tenda a ser um pouco mais permissivo para as operadoras nesse segmento, não se admite a rescisão que desrespeite direitos fundamentais, como a proteção à continuidade do tratamento de saúde.


Nesse contexto, o Tema 1082 do STJ representa um marco essencial na proteção dos beneficiários. Ao julgar a matéria, o Tribunal firmou entendimento de que, mesmo nos contratos coletivos, a operadora que deseje rescindir o contrato deve assegurar a continuidade do tratamento para beneficiários em situação de internação ou em tratamento contínuo e essencial, desde que estes assumam o pagamento integral das mensalidades. Essa garantia é de enorme relevância, sobretudo para pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), que frequentemente dependem de terapias multidisciplinares contínuas para garantir qualidade de vida e desenvolvimento. Tribunais em todo o país vêm aplicando o Tema 1082 para impedir que crianças e adultos com TEA tenham seus tratamentos interrompidos por cancelamentos abusivos.


Infelizmente, não são raros os casos em que operadoras tentam ignorar essas obrigações, deixando os beneficiários sem alternativas e obrigando-os a recorrer ao Judiciário. Nessas situações, é plenamente cabível ajuizar ação com pedido de tutela antecipada, buscando a reativação imediata do plano, a continuidade do tratamento, a isenção de novas carências e, quando apropriado, indenização por danos morais decorrentes do sofrimento e risco à saúde causado pelo cancelamento indevido.


Portanto, se você — ou algum familiar — se deparar com um cancelamento unilateral do plano de saúde, saiba que nem toda rescisão é válida. É essencial buscar uma análise jurídica especializada para avaliar as condições do contrato, a legalidade da rescisão e a possibilidade de reverter o cancelamento ou garantir a manutenção da cobertura por via judicial.


Diante da crescente onda de cancelamentos abusivos, o papel do advogado especializado em Direito da Saúde é cada vez mais relevante, não apenas para resguardar os direitos dos beneficiários, mas para reafirmar a função social dos contratos de plano de saúde — que devem garantir acesso digno e contínuo aos serviços essenciais de assistência médica.

Conheça mais sobre mim

Juliana Lima dos Santos Silva Almeida Sou advogada formada há 8 anos pelo Centro Universitário Farias Brito, pós-graduanda em Direito Contratual e Advocacia Extrajudicial, e diversos cursos de especialização na área de Direito da Saúde. Tenho sólida experiência em demandas trabalhistas e cíveis, especialmente ações relacionadas à defesa dos direitos de beneficiários de planos de saúde e do SUS.

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