A trombofilia é uma condição de origem genética ou adquirida que aumenta o risco de formação de trombos — coágulos sanguíneos — no sistema circulatório. Embora muitas vezes silenciosa, a trombofilia pode causar eventos graves, como trombose venosa profunda, embolia pulmonar, AVC e infartos. Para as mulheres, especialmente em idade fértil, os riscos são ainda mais delicados, pois a doença está diretamente relacionada a complicações gestacionais, como abortos de repetição, pré-eclâmpsia, restrição de crescimento fetal e até morte intrauterina.
Estudos apontam que entre 20% a 50% das mulheres com histórico de perdas gestacionais recorrentes têm algum tipo de trombofilia, o que torna essencial a investigação precoce por meio de exames de rastreio. Essa análise inclui testes genéticos e laboratoriais específicos, como pesquisa de mutações no fator V de Leiden, protrombina, proteína S e C, antitrombina III, além de anticorpos antifosfolípides. A indicação médica para realização desses exames deve ser respeitada pelos planos de saúde, que têm a obrigação legal de custeá-los, conforme determina a Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9.656/98) e o Código de Defesa do Consumidor.
A detecção precoce da trombofilia permite adotar medidas preventivas, especialmente em pacientes que desejam engravidar ou que já estão gestantes. Nesse contexto, o tratamento com enoxaparina sódica — um anticoagulante injetável de baixo peso molecular — é amplamente prescrito por especialistas. Sua função é impedir a formação de coágulos, protegendo tanto a saúde materna quanto o desenvolvimento do bebê. A eficácia da enoxaparina em prevenir complicações obstétricas é amplamente reconhecida pela medicina baseada em evidências.
Apesar disso, muitas operadoras de plano de saúde recusam o fornecimento do medicamento, alegando que seu uso seria “off label” ou que o tratamento não está no rol de procedimentos obrigatórios da ANS. Essa negativa, contudo, é abusiva e já foi amplamente rejeitada pelo Poder Judiciário brasileiro. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que o rol da ANS é apenas exemplificativo e não pode restringir o acesso a tratamentos prescritos por médicos habilitados, sobretudo quando há risco iminente à saúde ou à vida.
A recusa do plano de saúde em cobrir a enoxaparina ou os exames necessários para o diagnóstico de trombofilia não apenas viola o direito à saúde, previsto no artigo 6º e no artigo 196 da Constituição Federal, como também fere o princípio da dignidade da pessoa humana e o direito à maternidade segura. O Código de Defesa do Consumidor protege os usuários contra práticas abusivas e cláusulas contratuais que coloquem o consumidor em desvantagem excessiva. Quando há prescrição médica, não cabe à operadora interferir na conduta clínica ou restringir o tratamento.
Mulheres diagnosticadas com trombofilia — ou com histórico de perdas gestacionais sem causa definida — devem ser orientadas sobre seus direitos e, se necessário, buscar a via judicial para garantir acesso aos exames e ao tratamento. A judicialização, nesses casos, tem sido acolhida pelos tribunais, que reconhecem a urgência e a legitimidade das demandas, garantindo o fornecimento imediato da enoxaparina e demais cuidados indicados.
Em resumo, tanto a investigação da trombofilia por meio de exames específicos quanto o tratamento com enoxaparina sódica são direitos garantidos às mulheres pelo ordenamento jurídico brasileiro. Negar esse cuidado é, além de ilegal, um atentado à saúde e à vida. Conhecer e exigir seus direitos é o primeiro passo para garantir uma gestação segura e a preservação da dignidade de quem enfrenta essa condição.